terça-feira, 20 de setembro de 2016

Manuel Valente dos Santos: um inventor branquense

A mostrar uma das suas invenções à Rainha Fabíola da Bélgica.
Primeiro de 7 filhos, Manuel Valente dos Santos nasceu a 21 de abril de 1920. (...) Filho de Francisco Santos e Benedita de Jesus, Manuel Valente dos Santos frequentou a escola da sua terra, a Branca, até 1933. Trabalhou na agricultura e nos transportes até 1942, 1943, altura em que foi fazer o serviço militar, em Lisboa.

Cumpriu o serviço militar nos Sapadores de Caminhos de Ferro. Posteriormente, Manuel Valente dos Santos arranjou trabalho no Instituto Pasteur em Lisboa graças á intervenção de um oficial, seu superior, onde foi colocado na secção de material cirúrgico e onde terá desenvolvido a sua vocação.

Numa altura em que a II Guerra Mundial estava no auge, escasseavam os instrumentos cirúrgicos, uma vez que os poucos que os produziam não chegavam para as necessidades. Os cirurgiões viam-se a braços com uma carência assustadora de tais materiais e Manuel Valente dos Santos propôs-se a produzi-los. Em oito meses familiarizou-se e apaixonou-se pelo seu novo trabalho.


Através da observação nas intervenções cirúrgicas em que esteve presente - nomeadamente com Décio Ferreira, grande especialista de cirurgia cardiológica - começou a aperfeiçoar utensílios já utilizados para lhes aumentar a eficiência. Além disso, criava, ele próprio, instrumentos, revelando uma intuição invulgar e que lhe mereceu, ao longo de toda a vida, rasgados elogios.

Posteriormente, Manuel Valente dos Santos foi convidado para ir trabalhar para a ADICO, em Avanca. Já após o seu casamento, em 1944 com Maria Glória Pereira e depois de ter três filhos, adquiriu uma fábrica, no Porto, em 1954 que, em 1956 foi transferida para Soutelo, a Fábrica MAVAS (que representava, precisamente, as iniciais do nome Manuel Valente Santos).

Foi, igualmente, em 1956 que Manuel Valente dos Santos participou no Congresso Mundial de Cirurgia Cardiotorácica, em Barcelona. Um dos primeiros hospitais a recorrer aos instrumentos inventados por Manuel Valente dos Santos foi o Hospital de Águeda dirigido pelo famoso cirurgião António Breda.


Em 1959, o inventor de Soutelo participou na Exposição Industrial – Comemoração do Milenário de Aveiro e do Bicentenário da sua Elevação a Cidade onde recebeu o Diploma de Medalha.

Ainda em 1959 participou na Exposição Nacional de Évora onde foi, também, distinguido pelos inventos apresentados.

Foi em 1960 que Manuel Valente dos Santos participou, pela primeira vez, no já IX Salão Internacional de Inventores, em Bruxelas com onze inventos. Aqui, recebeu três Medalhas de Ouro, das quais, duas com felicitações do júri internacional, cinco Medalhas de Prata Dourada, duas Medalhas de Prata e uma de Bronze.


Para além destes prémios, Manuel Valente dos Santos recebeu, igualmente, uma Medalha, prémio atribuído ao melhor expositor de cada país. O dispositivo inventado por Manuel Valente dos Santos, um misturador para transfusão que arrecadou uma das medalhas douradas começou, desde logo, a ser utilizado nos grandes hospitais de Bruxelas.

De Bruxelas, Manuel Valente dos Santos levou, ainda, um convite para expor os seus trabalhos em Paris em Maio do mesmo ano e onde obteve mais uma Medalha de Ouro por todos os inventos apresentados.

Além de começar a ver as suas invenções a serem utilizadas por todo o mundo nas mãos de médicos e cirurgiões, estas foram, também, nomeadas não só na imprensa da altura como em livros, nomeadamente, no livro sobre cirurgia escrito por Charles Bailey.

Revista UPorto / Alumni
A MAVAS começou, assim, a receber muitas encomendas de hospitais estrangeiros, europeus e americanos. Como vantagem, Manuel Valente dos Santos tinha o facto de os seus “ferros” estarem patenteados o que lhe permitia o fornecimento exclusivo daqueles materiais. (...)

Contudo, de salientar que Manuel Valente dos Santos sempre teve um talento especial para tornar a vida mais fácil com o recurso a alguns instrumentos. Já muito jovem teria criado uma caneta-pistola, isto é, transformou uma caneta de tinta permanente, munida de alavanca lateral numa pistola que resultou de tal forma que poderia ter ferido, inadvertidamente, o irmão que havia chamado para o ajudar. Mas não se ficou por aqui!

Manuel Valente dos Santos construiu um aparelho para servir à mesa sem o auxílio de uma empregada para o efeito. É um aparelho que permite transportar e posicionar as travessas com os alimentos em frente às pessoas que estão sentadas à dita mesa e que pode ser comandado à distância tendo este mecanismo sido apresentado no X Salão Internacional de Inventores, em Bruxelas.


Assim, em março de 1961, Manuel Valente dos Santos participou no X Salão Internacional de Inventores, em Bruxelas com 14 inventos. Desta feita, o inventor Manuel recebeu Diploma de Medalha de Ouro com felicitações do júri, mais oito Medalhas de Ouro e de Prata Dourada, três de Prata e três de Bronze.

Posteriormente a esta participação, Manuel Valente dos Santos recebeu, em sua casa, Paul Quintim, Presidente do Salão Internacional de Inventores, curioso de conhecer o local onde os inventos ganhavam corpo. Ainda em 1961, Manuel Valente dos Santos participou no I Salão de Inventores, em Lisboa onde recebeu o 1º prémio com Diploma e Medalha de ouro.

Foi, também, em 1961 que, juntamente com o seu filho mais velho, Carlos Santos construiu um barco com a particularidade de ter sido o primeiro barco feito de fibra de vidro em Portugal. Contudo acabou por desistir da ideia de levar este trabalho em frente, por não lhe cederem alvará.


Em 1962, Manuel Valente dos Santos participou no XII Salão Internacional de Inventores, em Bruxelas onde recebeu quinze medalhas, seis das quais de ouro, quatro delas com felicitações do júri. Nesse ano, o inventor da Branca privou com várias figuras importantes da época que mostraram interesse pelo seu trabalho, nomeadamente, a Rainha Fabiola, da Bélgica.

Em 1967 veio a conhecimento público que Manuel Valente dos Santos estaria a trabalhar numa invenção para extração de tumores cerebrais que teve, posteriormente grande sucesso a nível mundial. Esta descoberta foi, ainda, alvo de uma tese realizada pelo neurocirurgião, Celso Cruz.

Apesar dos louros e felicitações que foi recebendo, a falta de apoios, em Portugal, acabou por travar as viagens de Manuel Valente dos Santos a estas exposições uma vez que se tornavam viagens bastante dispendiosas e que ficavam a cargo, na sua totalidade, do inventor do Soutelo. Contudo, Manuel Valente dos Santos não deixou de ser abordado por cirurgiões, hospitais e outras instituições como a Cruz Vermelha belga interessados nos seus trabalhos e a que algumas vezes não conseguia dar resposta pois a produção que detinha não o permitia.

Site Portuguese American Historical & Research Foundation

Site do Museu Maximiano de Lemos
Em 1968, Manuel Valente dos Santos rumou aos EUA para participar no Congresso de Urologia e Cirurgia, em Miami. Aconselhado por médicos e amigos resolveu ficar. A primeira barreira com que se deparou foi a língua, que não conhecia ficando dependente de tradutores que, muitas vezes, deixavam que se perdesse o verdadeiro sentido do que era dito. Mas não foi só a língua. A economia, o mundo empresarial, o dólar funcionavam de forma diferente daquilo que Manuel Valente dos Santos, demasiado bom e honesto, conhecia.

Durante a sua estadia nunca deixou de assistir a muitas operações ao coração. Passou por fábricas de aparelhagem cirúrgica como a de Castle Selar Weck, pelos hospitais de Nova Iorque, Boston, Miami, Florida, Rochester, entre tantos outros.

Manuel Valente dos Santos inventou um novo aparelho cirúrgico para operações ao cancro do recto nos EUA. Em 1974, a fábrica em Portugal, a MAVAS foi fechada. Após ter trabalhado para uma grande indústria de instrumentos hospitalares, uma fábrica em Long Island, Nova Iorque, entre 1975 e 1978, Manuel Valente dos Santos trabalhou para uma subsidiária da mesma na Carolina do Norte para onde foi treinar o pessoal.



Posteriormente, a internacional Stryker, do estado de Michigan tornou-se sua cliente quando Manuel Valente dos Santos teve a sua própria fábrica em Newark, Nova Jérsia, Estados Unidos onde trabalhou sozinho durante muito tempo e depois com um primo que levou para lá e a quem ensinou a arte.

É extremamente vasta a lista de instrumentos inventados por Manuel Valente dos Santos, desde uma mesa para a colheita de sangue de transfusões, instrumento para suturação de vasos, chave de parafusos para cirurgia óssea, pinças das mais complicadas para utilização nas mais diversas operações cirúrgicas, até uma cadeira para uma criança sem braços que foi criada e adaptada para que a criança pudesse desenhar com os pés.

Em 1988, Manuel Valente dos Santos voltou a participar no Salão Mundial de Inventores, de Bruxelas onde recebeu vinte e uma Medalhas de Ouro correspondentes a vinte inventos destinados a cirurgia de alto risco sendo que o Suction basket forceps, instrumento usado para operações ao joelho, ao menisco recebeu duas medalhas.

Manuel Valente dos Santos recebeu, igualmente, a taça do Burgomestre de Bruxelas, a Medalha de Honra da Comuna de Saint-Josse-Ten-Noode que representa a homenagem da população de Bruxelas ao inventor estrangeiro presente com maior prestígio e recebeu ainda as insígnias de inventor de mérito atribuída pelos serviços à causa de progresso e apoio às invenções.


Em 1989, passados 21 anos, o inventor do Soutelo voltou ao seu país. Manuel Valente dos Santos sentiu-se, muitas vezes, frustrado porque não existiam produtores, não havia quem produzisse no estrangeiro. E, consequentemente, o material que Manuel Valente dos Santos fazia acabou, deixou de se produzir. Foram, no entanto, reproduzidas algumas réplicas. Viveu a sua reforma a trabalhar, despreocupado numa oficina que entretanto construiu, em Aveiro.

Medalhas de ouro, diplomas e insígnias que Manuel Valente dos Santos recebeu no último Salão Internacional de Inventores em 1988. Definido como uma pessoa exigente que dava bastante importância às pequenas grandes coisas, uma pessoa que valorizava o respeito e estava sempre disponível a ajudar quem precisasse, Manuel Valente dos Santos foi sempre caraterizado como uma pessoa modesta e humilde, com um enorme espírito criativo que lhe permitiu desenhar e construir instrumentos com tanto de quantidade quanto de perfeição.

Manuel Valente dos Santos entregou a sua vida à invenção de material cirúrgico que possibilitou a revolução do equipamento utilizado pela medicina.

Fonte: Correio de Albergaria (adaptado)


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4 comentários:

Manuela Poitout disse...

Encontrei, num jornal antigo, de 1954, um apontamento sobre este senhor. Ele frequentou a escola primária no Entroncamento, talvez o pai fosse ferroviário, e é o texto de um seu professor que exprime a alegria sentida quando o antigo aluno, já homem e de reconhecido êxito, bem abraçar o seu velho professor.
Manuela Poitout

Blogger disse...

Não sabemos se ele estudou no Entroncamento. Agradecíamos link para esse artigo.

Manuela Poitout disse...

Peço desculpa de só agora responder, mas não tinha voltado ao blog.
Posso enviar a notícia e o cabeçalho do jornal, se me facultar um endereço, não consegui copiar por inteiro a página. A data da notícia é 30-03-1954.
Tenho o jornal em ficheiro pessoal.

Cumprimentos
Manuela Poitout

Blogger disse...

Manuel Valente dos Santos não terá ligação ao Entroncamento. Poderá ser coincidência de nome.