quinta-feira, 10 de agosto de 2017

Memórias da Feira dos 26 de Angeja


Angeja "tem feira a vinte e seis do mês, cada anno, dura meyo dia” (Memórias Paroquiais de 1758)

Realiza-se no Largo Marquês de Angeja (conhecido por Largo da Feira), onde existe um crucifixo e um chafariz com bebedoiro para animais. Feira aberta, mas paga Imposto de terreiro.

Transacciona-se gado vacum e porcino, e algumas vezes lanígero. Gado de cornos, segundo nos informaram, entraram hoje na feira 300 cabeças; porcos 150; de lanígeros, nesta feira, não se deu conta.
Curiosidade: A pessoa de sobretudo preto é D. Leonor Ribeiro aos 18 anos, quando Sr. Manoel Souto (emigrado no Brasil)  a conheceu e se apaixonou (*)

O gado é trazido à soga [corda], pelos produtores-lavradores de Fermelã, Cacia, Frossos, etc„ e, naturalmente, de Angeja. Os compradores são lavradores da região e os negociantes (marchantes e talhantes) vêm de Cantanhede, Paredes, Penafiel, Avanca, Estarreja, Figueira da Foz, etc. (em número de 30), e transportam o gado em camionetes.


Ainda se usa o alborque - "regar” com uns copos (geralmente vinho branco) o negócio feito, despesa paga pelo vendedor, em honra do comprador e dos que o ajudaram a rematar o negócio (os negociantes por vezes fazem cambão [combinam preços]). Há para o efeito uma taberna no local, aberta nos dias de feira.


Pare além de negócio de gado, indubitavelmente o mas vultoso em notas, há uma variedade infinita de artigos à venda:

* utensílios da lavoura, máquinas de sulfatar, moto-serras, semeadores de batata e de milho, arrendadores, etc.; correame [correias] para o gado, como piaçás, brochas (correia que liga a canga ao pescoço da vaca), tamoeiros [peças para carros de bois], passadeiras, etc.;
* utensílios de cozinha, desde garfos, facas e colheres, aos alguidares, tachos e panelas; artigos em folha zincada e de flandres; funis, regadores, púcaros, almudes (de 20 litros), lampiões, candeias de curral, etc., etc.;
* em vestuário o calçado, é um louvar-a-Deus de tendas, de barracas, de carrinhas, carros e carretas;
* cofinhos para o gado (antigamente de baracinha [cordel], agora do arame);
* peneiras, tamancos, pipos, pipas e dornas, melões e maçãs, enxadas, ferros de engomar à brasa, foicinhas, martelos, fogareiros, louças, pão do Fontão (muito saboroso) e tremoços (bem apaladados), regueifas, plásticos (ui, Jesus, o que vai pr'aí de plásticos), objectos de barro (caçoilas e púcaros, tarros e tarrelos), cordas de plástico e adibais [cordas compridas] de sisal, esteiras (em desuso, a malta agora quer é edredons e alcatifas!), aventais (os de serguilha tiveram a sua época!), blusas, casacos e bonés, galrichos, cestos de vime — o fim do mundo!

E pó! E música (altíssimo-falantes)! E propagandistas da banha-de-cobra! Vá lá, já não se vê os estropiados que andavam mendigando de feira em feira … hoje tudo fuma cigarro feito e de filtro!

No dia da feira o negócio local anima-se. Esta feira é o melhor ex-libris de Angeja.



Fonte: Bartolomeu Conde em Jornal "O Aveiro" (em "Novos Arruamentos")

(*) Imagem utilizada no cartaz da feira de 2015 (mais informações: Cristina Souto Rigotti)

A organização da feira foi retomada em 2014, tendo agora periodicidade anual



Sem comentários: