terça-feira, 10 de agosto de 2021

Origem do Bico do Monte da Nossa Senhora do Socorro

 

O Passado

O Bico do Monte denominava-se Pedra da Águia em 1117, ou seja, ao tempo em que a Rainha D. Teresa concedeu a Carta do Couto de Osseloa, para se instituir aqui uma Albergaria.

Esse notável documento, de que proveio a fundação da nossa terra, fala-nos da Pedra da Águia e os diversos autos da demarcação do aro do Couto confirmam, uniformemente, que o Bico do Monte é a antiga Pedra da Águia, a norte da vila, e dela distante cerca de dois quilómetros.

É de crer que, até 1855, o actual Monte do Socorro receberia, apenas, a visita de raros pegureiros e dos gados que pasciam pelas encostas e que iam tosando os matos que delas brotavam, espontâneos e bravios. Também o sítio era propício às feras, que abundavam, como se infere do texto da Carta do Couto de Osseloa.

Em 1855 grassou, no país inteiro, e com grande intensidade, a temerosa epidemia do cólera morbus, deixando um rasto de desolação e morte. Esta vila foi gravemente atingida, também, por essa peste, apossando-se o terror de todos, e indo o desvairamento até à loucura. As famílias que podiam emigrar abandonavam tudo, sendo algumas delas fulminadas durante esse êxodo macabro.

Em tão aflitivo transe fizeram-se preces, encheram-se os templos, e abandonaram-se todos os trabalhos e ocupações para se orar a Deus, a implorar-lhe que extinguisse a epidemia.

Nos lugares de Assilhó, Sobreiro, S. Marcos e Frias não houve caso algum do cólera, o mesmo sucedendo na freguesia de Vale Maior. Em Albergaria houve 43 óbitos, e em Angeja as vítimas foram em número de 98.

Em Outubro desse ano de 1855 um grupo de homens fez o voto de erigir uma capela no Bico do Monte, dedicada à Virgem, com a invocação de Senhora do Socorro, se o terrível flagelo nos desamparasse breve; – e verificou-se que, desde esse voto, nenhum outro caso ocorreu, o que foi considerado como o primeiro milagre da Senhora do Socorro.

Em 1856 deu-se começo à construção da capela, que foi concluída em 1857, celebrando-se então imponentes e luzidos festejos, a que se associou uma considerável multidão.

Fundou-se uma confraria própria, com estatutos, e cuja aprovação se requereu em 23 de Outubro de 1858, tendo a assinatura dos seguintes fundadores:

Padre João Fortunato José de Almeida; Padre João António José de Almeida; José Marques Pires; Manuel Luiz Ferreira; Bernardino Marques Vidal; Bento Alvares Ferreira; João Marques Pires; Patrício Luiz Ferreira Tavares Pereira e Silva; João Ferreira da Silva Paulo; José Marques de Lemos; António José Rodrigues; Joaquim Lourenço Mendes dos Santos; Francisco Joaquim da Cruz; José Domingues da Silva; Manuel Inácio da Silva; Joaquim Rodrigues da silva e Manuel José de Bastos. Os dois últimos assinaram de cruz.

No § 1º do art.º 3º desses Estatutos determinava-se que a festividade se realizasse no 4º Domingo de Agosto, mas, por dificuldades várias, fixou-se depois o 1º Domingo posterior a 15 de Agosto e, finalmente, estabeleceu-se o 3º Domingo desse mês, dia em que se celebra a festa desde a nossa mais remota lembrança.


O Presente

Ergueu-se a capela e fez-se a sua inauguração com o entusiasmo nascido da fé intensa dos que viveram dias de tamanha amargura e anseio, crentes no milagre da Virgem. Havia que prosseguir nas manifestações em honra da Senhora do Socorro, a cuja intercessão recorriam, de ora avante, todos os que vivessem horas aflitivas, para que a sua dor se debelasse.

Nos anos seguintes, e em número sempre crescente, os devotos acudiam em romagem de piedoso agradecimento pelas mercês recebidas e trazendo as dádivas em cumprimento de promessas.

Começou, então, a conhecer-se o Bico do Monte, ficando-se surpreso com o vastíssimo e variado panorama que dali se desfrutava, fosse qual fosse a direcção para onde se alongasse a vista.

Ao poente os minúsculos montes de sal de Aveiro, com a brancura da pureza das almas recolhidas em silêncio, – o Farol da Barra, – as águas do mar, brilhando ao dardejar do sol, estendiam-se pelo horizonte sem limites, até nos darem a sensação de que terminavam onde começava de erguer-se a cúpula do céu. Os canais, a ria com os seus minúsculos barquitos, de velas brancas que o vento inflava e as praias e povoações, parece que enviavam o sentir da sua saudade, quando não era a inveja pela grandeza com que a Providência nos dotou.

A sul, a dois quilómetros, notavam-se os contornos da nossa vila e alguns dos seus edifícios e uma ou outra janela aberta, donde se desprendia o sorriso duma mulher graciosa e quem sabe se o adejar dum lenço em saudação correspondida…

Distante, destaca-se o Buçaco, o Caramulo, e mais a nascente as serranias das  Talhadas, as do Arestal e mais e mais até chegarmos às planícies do norte, cobertas de pinheirais e eucaliptos em densas matas, intercaladas de povoações caiadas de branco.

O panorama, extenso e variado, é dos mais belos, e tarde despertamos da muda contemplação em que nos extasiamos horas seguidas.

Queremos esquecer os longos anos em que o Bico do Monte permaneceu quase em ponto morto. Tornava-se necessário um forte impulso mantido em perseverança. Várias tentativas houve dignas de registo, mas que amorteciam a breve trecho, embora ficasse alguma coisa no rescaldo.

Se a Senhora do Socorro falava aos crentes havia que atraí-los, e depois viriam também os turistas, os admiradores de tanta beleza, trazidos por essa lenta, mas eficaz, propaganda, exercida pelos que ali iam uma vez, para repetiram a romagem vezes sucessivas.

O impulso veio e mantém-se.

Abriram-se várias ruas de acesso ao cimo do Monte, – alargou-se o recinto da capela com custosas obras de ampliação e muralhas de suporte, – construiu-se uma escadaria a pequena distância da capela; – estendeu-se e alargou-se a Avenida destinada ao percurso da procissão, – plantaram-se árvores a cobrir as encostas, etc.

As obras prosseguem no mesmo ritmo. Construiu-se há pouco uma pérgula circular na retaguarda da capela; – preparou-se um parque para estacionamento das centenas de veículos automóveis que ali afluem, e isso obrigou a rasgar-se a montanha; – melhoraram-se as estradas que lá conduzem; – fornece-se água abundante, distribuída em fontenários; – aformoseou-se o recinto com um lago, e outras obras se projectam para maior realce, e para comodidade dos romeiros ou dos turistas.

No corrente ano de 1957 a afluência à procissão, e pela tarde, foi de vários milhares de pessoas, havendo carreiras contínuas de camionetes, e não bastando o parque para acondicionamento dos veículos.

Eram centenas os anjos que se incorporaram e todos conduzidos pelos pais, em cumprimentos de promessas, e o manto da Virgem estava inteiramente coberto de notas, ali pregadas pelos peregrinos, vindos de longes terras, como óbvio, também, para auxílio do engrandecimento do Monte do Socorro.

Fonte:  Texto integral de António de Pinho no Centenário do Monte da Senhora do Socorro [1957]. Capítulo VIII do livro “Albergaria-a-Velha e o seu Conselho – Subsídios para a sua história, documentos e apontamentos – homens e factos”, 1957

Link: Diocese de Aveiro  

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