quinta-feira, 23 de setembro de 2010

"Alma e a Gente" de José Hermano Saraiva (3 de Julho de 2007)

Edifício da Câmara

Estão a ver ali o edifício da Câmara, aquele edifício é engraçado porque muitas Câmaras municipais têm aquela silhueta, aquilo é de 1890, 1890 é um período, é o reinado de D. Carlos, essa última década do século XIX é uma década muito progressiva, muito progressiva.

Entre 1890 e 1900, o fim do século, é um tempo a andar para a frente, por toda a parte se construiu, se fizeram estradas, se fizeram coisas, bem, em toda a parte encontramos este tipo de câmara.


Pedra histórica

Vamos lá dentro, quero-lhes mostrar uma pedra que lá está, e uma pedra que conta muita coisa.

A pedra histórica é esta. Eu acho que conseguem ler perfeitamente "Albergaria de pobres e passageiros, da Rainha D. Tareia, com quatro camas, e dois enxergões, e esteiras, lume, água, sal, fogo, e cavalgaduras e esmola, e ovos, ou frangos, aos doentes".

Bom, esta pedra é muito bonita como vêm. Acho que quem construiu este edifício fez muito bem que pôs aqui a pedra logo na escadaria nobre da Câmara, porque foi efectivamente esta albergaria da Rainha D. Teresa que deu nome à terra e é uma das mais antigas albergarias que se instituíram em Portugal, não, nem sei se não seria a primeira.


Muitas Albergarias

Há muitas, muitas, olhem, no dicionário do Américo Costa que é uma obra, uma bela obra, aparecem 50 lugares com o nome de Albergaria. É claro aqui mesmo, aqui perto há um lugar chamado Albergaria-a-Nova, esta como era muito antiga e por, em relação às que se fizeram depois, chamaram-lhe Albergaria-a-Velha, a-Velha, mas durou muito tempo.

Hospital Real

É claro tudo, tudo com o tempo passa, e se gasta, e a certa altura deixou de ser uma Albergaria, passou a ser um Hospital Real e foi ai nesse Hospital Real que puseram esta pedra, isto é uma pedra que eu suponho do século XVII, puseram esta pedra, com esta cruz, isto já é um reclame, para fazer um reclame à grande Albergaria dos pobres e passageiros, enfim, isto é já do Hospital Real, e é quando o Hospital Real, enfim, se desmorona, que a pedra vem para aqui, como uma relíquia, que recorda esta instituição que foi verdadeira.

Carta de Couto de Osseloa

É claro, além deste documento que já é portanto século XVII, há outro muito mais importante que eu lhes vou mostrar, vou mostrar uma reprodução claro, porque isto, uma preciosidade destas está na Torre do Tombo.

É o pergaminho pelo qual a Condessa D. Teresa, Condessa Rainha como ela se intitulava, que é a mãe do D. Afonso Henriques, esta, esta aqui, esta D.Tareia, isto é a mãe do nosso primeiro rei, e neste documento, ela institui aqui uma albergaria, encarrega dela um fidalgo, Gonçalo Eris e estabelece um couto, ela marca muito bem os limites e hoje, até neste livro, este livro é muito bem feito, é o livro duma professora D. Maria Alegria Marques, Professora da Universidade de Coimbra e é um livro exemplar, de rigor, de boa informação, de clareza de exposição.

Eu não estou habituado a ver trabalhos tão bons, portanto os meus parabéns a quem o fez e a quem o mandou editar. Ela conseguiu reconstituir aqui o que era o couto dado ao Gonçalo Eris para poder manter a Albergaria.

Devo-lhes dizer que isto, olhem, daqui aqui, são cerca de 7 quilómetros, daqui aqui, porque está aqui a escala, daqui aqui, isto, isto, daqui aqui podem ser uns 5 ou 6, portanto isto eram cerca de 30 quilómetros quadrados.


Albergaria para viandantes

Isto pertencia ao Gonçalo Eris em troca de ele, juntamente com a Condessa Rainha, ir fazer aqui a Albergaria destinada aos pobres. Aos pobres, não era aos pobres, era aos viandantes. Bem, recordo que nesta altura as pessoas eram todas muito religiosas e que uma das obras de misericórdia é dar pousada aos peregrinos.

Não havia segurança nas estradas, a viagem era um suplício, as pessoas chegavam aqui esgotadas, cansadas e imaginem quem fosse realmente de Coimbra para o Porto, andava 100 quilómetros e quando chegava aqui, isto a meio do caminho vinha esgotado e precisava de todo, em todo de um tecto para dormir.


Também a hospedaria, a albergaria o que dava era pouco mais do que isso, era um chão, um chão com palha, um chão com palha, esta agora das camas, e dos enxergões, e das esteiras, tudo isto já eram modernices, era um chão com palha onde as pessoas dormiam e sal, realmente davam sal, davam sal para a pessoa poder cozinhar qualquer coisa.

Essa ideia de dar pousada aos peregrinos, peregrinos que iam a Compostela ou iam a santuários, ou, ou, as azameis. As azameis quer dizer, condutores de azamel vem de azémola, azémola portanto o azemel eram homens que conduziam récuas de animais, com cargas, bom e tinham que posar nalgum sítio, era preciso dar-lhes enfim, era uma obra de misericórdia, portanto que deus agradecia, era um serviço prestado a deus ajudar os peregrinos. E é isso que faz a Rainha D. Teresa mãe do nosso D. Afonso Henriques quando governa o Condado Portucalense e ela dá isto no ano de 1117. (...)

Curiosidade

Portanto vê-se a Condessa a tentar estabelecer a ordem (...) é curioso [que] (...)ela provavelmente não saberia escrever, porque assinava assim, é este, esta cruz com estes bicos, isto é que era o sinal com que ela assinava o seu nome, a Condessa Rainha D. Teresa mãe do nosso D. Afonso Henriques assinava assim.


Perigos da região

Diz ela que era neste sítio que matavam e roubavam as pessoas. Isto eram matas intensas, ainda com ursos, ela fala aqui nos ursos, até quem caçasse um urso era obrigado a dar ao senhor da terra as mãos do urso. Quem caçasse um gamo era obrigado a dar ao senhor da terra as costas do gamo.

Quer dizer cria realmente um couto aqui com muitos direitos do senhor da terra e a terra era um couto muito grande, muito grande. Bom, depois isto, uma terra com ursos, com ladrões, com assassinos, é um pouco para organizar a vida e permitir aqui a passagem das récuas de almocreves, e dos peregrinos de Compostela que a Condessa Rainha cria esta Albergaria que por ser a primeira foi chamada mais tarde Albergaria-a-Velha.

Bom, e a terra hoje, é uma terra nova e a andar para o futuro, tem muito orgulho em se continuar a chamar Albergaria-a-Velha. (...)

Fonte: José Hermano Saraiva, Alma e a Gente (adaptado)

3 comentários:

joana sousa disse...

SALVÉ O 3 DE OUTUBRO. VENHO FELICITAR O SENHOR PROFESSOR JOSÉ HERMANO SARAIVA PELO SEU ANIVERSÁRIO E DESEJAR-LHE MUITOS ANOS DE VIDA COM SAÚDE E ALEGRIA NA COMPANHIA DE TODOS OS QUE LHE SÃO QUERIDOS. PESSOAS COMO O SENHOR SÃO IMORTAIS E DESEJO QUE DEUS LHE PERMITA PROLONGAR MUITOS ANOS DE VIDA.
O SENHOR NASCEU NO MESMO ANO QUE MINHA MÃE:1920 E FAZ ANOS NO MESMO DIA QUE O MEU NETO.
TENHO ACOMPANHADO PARTE DO SEU PERCURSO, QUER NOS LIVROS DE SUA AUTORIA, QUER NOS PROGRAMAS QUE PASSARAM PELA TV. DIGO PARTE, POIS É VASTO O SEU EXTRAORDINÁRIO TRABALHO. BEM HAJA!
HÁ MUITO TEMPO ENVIEI-LHE UM COMENTÁRIO QUE TEVE A GENTILEZA DE ME AGRADECER.
SEMPRE ACALENTEI O SONHO DE LHE MOSTRAR SONETOS MEUS DEDICADOS À NOSSA HISTÓRIA E AOS MONUMENTOS, MAS A TIMIDEZ DE ME DIRIGIR A ALGUÉM TÃO IMPORTANTE COMO O SENHOR RETRAÍU-ME.
QUE DEUS O ABENÇOE COM VIDA, SAÚDE E TUDO DE BOM SÃO MEUS SINCEROS VOTOS.
JOANA SOUSA

Sergio Pandolfo disse...

Sr. José Hermano Saraiva sou médico escritor residente no Brasil, Belém-PA, assíduo assistente do programa levado pela RTP e gostaria de ter endereço para enviar-lhe um livro de minha autoria sobre a Vinda da Família Real para o Brasil.

Sérgio Martins Pandolfo

Blogger disse...

Sugerimos que contacte a produtora do programa

videofono@videofono.pt