terça-feira, 9 de novembro de 2010

Ti Bertila (1916-2009)

Não havia quem não a conhecesse. O seu modo sempre alegre, ligeiro e metediço, cumprimentando com satisfação todos que lhe passavam á beira, não olhava a estratos sociais para presenteiramente lhe estender a mão, dar-lhe um abraço ou até um beijo.

Recorda-la hoje será a mais pequena homenagem que lhe poderei prestar. E tomo a liberdade de envolver nesta insignificância, o sentimento da comunidade albergariense.

Figura popular e sempre bem disposta

Para mim e onde quer que me visse, no café ou na rua ou até na roda de amigos, eu era "o namorado", "o meu lindo", "o meu querido" na postura de quem deseja saudar quem conhecia mas por quem tinha imenso respeito. Normalmente estes gestos vinham acompanhados de um beijo, coisa que faria descontraidamente há já muitos anos, para não dizer desde sempre.

A vida apanhou-a ao dobrar a esquina da então ainda jovem república e tanto quanto sei, não foi fácil a sua vida de menina e moça. Por isto mesmo um dia quando nos cruzámos junto á capela do Espírito Santo perguntei: Então onde vai a moça ? Ao que ela respondeu: moça da alma e no coração. Fiquei a cismar e dei-lhe razão. A vida para ela era uma festa, mas para o ser, temos que estar de bem connosco próprios e ela estava sempre bem disposta com ela, com o seu semelhante e mesmo com Albergaria de quem ela gostava tanto.

Outra festa que ela aplaudia era o trabalho e a vontade de viver. A "Ti Bertila" era nossa por ser figura popular, mas também por o saber ser. Gostava imenso de gracejar e qualquer tema que lhe não caísse no goto prestava-se para merecer o acintoso da sua língua.

Primeiros anos

Filha de Ernesto Marques Rodrigues Terceiro (Ernesto Sacristão) e de Margarida Cândida de Jesus, era membro da numerosa "Família dos Terceiros" e a sua tenra idade foi passada no trabalho de casa.

Os seus sempre frágeis braços, ela que era pessoa de poucas carnes, mas com enorme genica, ajudava seu pai no alçar dos cenários nas festividades regionais, ele que para a pintura tinha um dom especial.

Cartuxeira

Alguns anos mais foi "cartuxeira" pois uma fábrica então existente dava-lhe algum dinheirinho a ganhar, naquela época em que não havia loja, ferraria ou mercearia que não tivesse á mão o cartuxo que embora de papel pardo, servia para embalagem do café em pó, do açúcar, da massa,do arroz, dos amendoins e dos tremoços. O cartuxo dava para tudo e tinha ao tempo talvez mais utilidade que hoje o plástico. Eram tempos difíceis a que a minha amiga não fugiu.


Profissão de lavadeira

Mas a faceta pela qual foi mais conhecida, era a da profissão de lavadeira e que lhe mereceu a lembrança da nossa Junta de Freguesia quando há pouco tempo colocou a sua imagem nos antigos tanques da Rotunda da Assilhó, hoje transformados, e muito bem, em museu. Lá está ela em companhia de outras lavadeiras da época, como que o destino não as quisesse separar.

Hoje por certo, lá no etéreo descanso estarão novamente todas em conversa amena. Orgulhosa por a roupa das mais distintas casas de Albergaria-a-Velha lhe passar pelas mãos, percorreu todos os lavadouros, porque ao tempo a água tinha que ser procurada, e assim podia ser encontrada tanto na Bica da Telha, como em Campinho, como na Bica da Fonte, Vale da Espinheira, ou até mesmo nos tanques de Assilhó.

Sentidos pêsames

De seu nome Bertila de Jesus Terceiro (Bertila Sacristôa), partiu aos 93 anos de idade, deixando esta mulher do povo, profunda saudade em todos os albergarienses. Adeus "Ti Bertila" até um dia destes, quando Deus quiser.

Jornal de Albergaria cumpre o doloroso dever de endereçar os mais sentidos pêsames a toda a família enlutada.

Fonte: António Vinhas, Jornal de Albergaria de 15.09.2009 (adaptado, n/ intertítulos)

Fotos: Junta de Freguesia de Albergaria-a-Velha

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